Parentes de mortos no Jacarezinho vão pedir na Justiça para que polícia reconstrua memorial

Ilegalidade da construção foi um dos motivos alegados para a destruição da homenagem inaugurada há menos de uma semana

Originalmente publicado no O Globo em 12/05/22

Advogado de 14 famílias de 28 dos homens mortos durante a operação da Polícia Civil que foi considerada a mais letal do estado do Rio, no ano passado, João Tancredo afirmou ao GLOBO nesta quinta-feira que vai entrar na justiça para que a polícia e o estado reconstruam o monumento com os nomes dos mortos e arquem com os danos da destruição do objeto, que foi posto abaixo nesta quarta-feira por agentes da 25ª DP (Engenho Novo) e da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core). Enquanto isso, vereadores da Câmara Municipal do Rio articulam um projeto de lei que garanta a construção de um novo memorial por parte da prefeitura do Rio. O decreto deverá ser protocolado na próxima semana.

Mortes no Jacarezinho: Polícia produziu laudo após fim da investigação para defender agentes
Memória: Ação policial no Jacarezinho deixou 28 mortos e foi a mais letal da história do estado
Disparos contra policiais: MP denuncia chefes do tráfico na comunidade por homicídio de policial em ação que resultou em 28 mortes
Na manhã desta quinta-feira, várias entidades de Direitos Humanos se reuniram no gabinete da vereadora Thais Ferreira (PT) para tratar da destruição da homenagem. Participaram do encontro representantes da Federação de Favelas do Rio, Instituto de Defesa da População Negra (IDPN), LabJaca e a vereadora Mônica Benício.

– Vamos entrar com uma medida judicial visando a autorização pela Justiça do Rio e a manutenção do memorial. O que a Polícia Civil fez é um ato ilegal. Quem vai dizer se pode ou não é a lei, não um policial. Não existe nenhuma lei dizendo que não poderia colocar aquela homenagem ali. A derrubada é um ato arbitrário e precisa ser condenado – destacou João Tancredo, que completou:

– Além da garantia da manutenção do memorial, vamos requerer que a Polícia Civil e o estado reconstruam o objeto destruído e pague pelo outro monumento destruído. Aquele espaço era a lembrança dos mortos, inclusive do policial civil. Ali era uma homenagem aos mortos da operação mais sangrenta do estado.

Veja a derrubada do memorial em homenagem aos 28 mortos em ação policial no Jacarezinho
Veja a derrubada do memorial em homenagem aos 28 mortos em ação policial no Jacarezinho

Em nota, a assessoria da Polícia Civil reforça que o memorial é ilegal:

“Investigação da 25ª DP comprova que o memorial era ilegal, pois além de não ter autorização da prefeitura, e nem da família do policial morto, também fazia apologia às drogas. Essa apologia é comprovada com a própria frase estampada no memorial, que afirmava que o tráfico local era ‘apenas um comércio varejista de drogas’, quando é sabido por todos que o Jacarezinho era comandado pela maior facção criminosa do estado e que os 27 criminosos mortos em confronto com a polícia tinham envolvimento comprovado com o tráfico.

O programa Cidade Integrada, que retomou o território para o estado, não admite nenhum tipo de nova construção sem as autorizações necessárias, como é exigido em qualquer área formal da cidade. Além disso, o Cidade Integrada comprova o tamanho da quadrilha do Jacarezinho, pois desde o início do projeto o prejuízo financeiro ao tráfico já é da ordem de R$ 60 milhões”.

A operação da Polícia Civil contra o tráfico de drogas no Jacarezinho, na Zona Norte do Rio, deixou 28 pessoas mortas e provocou um intenso tiroteio. — Foto: Fabiano Rocha / Agência O Globo
Ação da Polícia Civil contra o tráfico de drogas resultou em 28 pessoas mortas, incluindo um policial
Instantes após a polícia destruir o espaço de homenagens aos mortos na ação de maio do ano passado, movimentos sociais protestaram contra a derrubada. Em nota conjunta, instituições como Associação Juízes para a Democracia (ADJ), Casa Fluminense, Instituto Marielle Franco, Voz das Comunidades, Federação de Favelas do Rio, Observatório Cidade Integrada e Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC) criticaram a ação policial e destacaram que receberam “com surpresa” a derrubada. Elas deverão acionar a Polícia Civil na Justiça.

De acordo com trecho do comunicado, “o memorial foi uma ação concreta para lembrar as 28 vidas perdidas durante a chacina, sejam elas de civis ou policiais, vítimas da política de violência que os governos do estado do Rio vêm aplicando contra a população de favela, em sua maioria composta por pessoas negras”. Ainda de acordo com o documento, “a violência não pode ser o único caminho para o estado se fazer presente nas favelas”.

Para a Federação das Associações de Favelas do Rio (Faferj), “não existe apologia a nada, pois há liberdade de expressão”. Ainda de acordo com a instituição, “os 28 mortos na chacina no Jacarezinho, sequer foram julgados ou condenados. Apenas executados com aval do estado”.

Vereadores querem que prefeitura do Rio reconstrua espaço
As vereadoras Thais Ferreira (Psol) e Mônica Benício (Psol) farão juntas um projeto de lei que institua o objeto destruído pela Polícia Civil como parte dos monumentos da cidade do Rio. Thais destacou que os dois mandatos estão terminando a justificativa, que seguirá à Casa. O Projeto de Lei quer a garantia da construção de um novo memorial por parte da prefeitura.

– Ficou definido que em conjunto com a Mônica que faremos um Projeto de Lei para instituir um memorial para as vítimas. Queremos que seja legalizado e que exista um direito ao luto das famílias. Faremos uma audiência pública com os movimentos do Jacarezinho e os familiares para trazer outras soluções para a região – destacou a vereadora.

Além disso, o mandato de Thais Ferreira entregará ao governo do estado e para a prefeitura uma série de recomendações para mitigar os crimes na região. Durante um ano a parlamentar fez um estudo, principalmente com crianças e adolescentes, e agora entregará o material às autoridades estaduais e municipais.

Apologia ao tráfico
Para justificar a derrubada, a Polícia Civil afirma que o monumento faria apologia ao tráfico de drogas, já que “27 mortos tinham passagens pela polícia e envolvimento comprovado com atividades criminosas, além do fato de que a construção do mesmo não tinha autorização da prefeitura do Rio de Janeiro”.

Ainda de acordo com a justificativa da Polícia Civil, o nome do policial civil André Leonardo de Mello Frias, também morto na operação, foi incluído no memorial sem a autorização da família, e isso teria sido mais um motivo para a ação.

A reportagem procurou a Secretaria municipal de Conservação. A pasta limitou-se a dizer que desconhecia a iniciativa da construção do memorial.


Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.