Mototaxista é solto após ficar um mês preso por engano no Rio

Alexandre dos Reis, de 23 anos, foi reconhecido por retrato 3×4 de mais de 10 anos atrás como sendo um dos participantes de um tiroteio no Morro da Providência em 2020.

O mototaxista Alexandre dos Reis Pereira Camargo deixou a cadeia nesta quinta-feira (16). Ele, que tem 23 anos, ficou preso injustamente por um mês.

A prisão de Alexandre tinha sido revogada na véspera pelo desembargador Paulo Rangel, da Terceira Câmara Criminal do Rio de Janeiro.

O jovem foi preso no dia 10 de agosto desse ano após reconhecimento fotográfico apontar que ele seria um dos traficantes que teria trocado tiros no dia 9 de julho de 2020, no Morro da Providência, na Região Central do Rio.

A foto que embasou o reconhecimento é a da carteira de identidade de Alexandre, que foi parar no livro de identificação da Polícia Civil do Rio de Janeiro, e tirada quando ele tinha 12 anos.

Há dúvidas quanto ao reconhecimento efetuado, eis que os fatos ocorreram à noite, em uma situação de extrema tensão e a foto utilizada para reconhecimento seria de uma carteira de identidade expedida há 10 anos atrás. Ademais, não consta a origem do documento, nem o motivo pelo qual tal foto passou a constar no álbum de pessoas suspeitas da Polícia Civil. Da mesma forma, o paciente foi preso em uma clínica vinculada ao DETRAN/RJ, em Santa Cruz, perto de onde reside, para renovação de CNH, fato improvável para um traficante da periculosidade que se mostra nos autos”, escreveu o desembargador aceitando a tese da defesa de Alexandre.

Apesar a liberdade provisória conseguida, Alexandre ainda terá que responder ao processo judicial e se apresentar todo mês à Justiça durante a condução do caso.

“Esse caso é muito sério, mas não podemos achar culpados onde não existem. O Alexandre foi reconhecido por uma foto de mais 10 anos atrás, que não sabemos como foi parar no livro da policial, é morador de Santa Cruz, que fica há 60 quilômetros de distância do local do confronto, e nunca teve passagem pela polícia, nem como vítima de qualquer crime”, explica o advogado Tiago Monsores, que representa o mototaxista.

Mãe vendeu geladeira e moto para ajudar o filho

O reconhecimento fotográfico e o processo em que é acusado de homicídio qualificado e crime tentado renderam outras consequências na vida de Alexandre.

Com o salário de mototaxista, era ele quem ajudava a manter a casa da mãe, Alessandra dos Reis, e sustentava a mulher Vanessa Kaiber, que está grávida de sete meses da primeira filha do casal.

Com a prisão do marido, ela foi morar com os avós e tem passado mal constantemente por não saber se Alexandre conseguiria sair até o nascimento da bebê.

Já a mãe do mototaxista, vendeu a moto de Alexandre e sua geladeira para arrecadar dinheiro para pagar a defesa do filho.

Saber que ele vai sair dá um alívio enorme. Ninguém acreditou quando ele foi preso. É um menino bom, trabalhador. Tive, inclusive, que vender a moto dele para tentar tirá-lo de lá. Mas o que importa é que ele vai sair e conseguir provar a sua inocência, o resto a gente dá um jeito e Deus ajuda”, disse Alessandra, que tem feito ainda rifas para ajudar no sustento da casa.

Segundo o advogado Tiago Monsores, Alexandre dos Reis Pereira Camargo deve deixar o presídio Ary Franco, em Água Santa, na Zona Norte do Rio, nos próximos dias.

A Polícia Civil foi procurada para explicar a investigação que levou à prisão do mototaxista.

Em nota, disse que “a orientação da atual gestão de não utilizar o reconhecimento fotográfico como única peça de prova vem sendo adotada, possuindo uma única ocorrência em análise. O caso abordado na reportagem foi durante gestão anterior da secretaria e será apurado se houve alguma irregularidade no reconhecimento realizado”.

Erros na identificação por foto

Um levantamento de 2020 mostrou que cerca de 80% dos casos de erro por reconhecimento fotográfico acompanhados pela Defensoria Pública no Rio envolviam pessoas negras.

O Instituto de Defesa da População Negra (IDPN) acredita que nos álbuns há muita fotos de pessoas inocentes tiradas durante abordagens policiais para simples averiguação. Essas imagens feitas sem autorização, e sem que haja uma acusação concreta contra a pessoa, acabam sendo incluídas nos arquivos das delegacias.

“A polícia tem feito abordagens absolutamente ilegais e inconstitucionais em face de pessoas negras que estão andando ou paradas na rua. Levam para delegacia e lá tem sido feito o registro fotográfico dessas pessoas. Ao que parece, esses registros têm ido parar no álbum da polícia. Então a nossa hipótese é que isso esteja ocorrendo entre outras situações também”, diz Djeff Amadeus, do IDPN.

Em outubro do ano passado, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que “o reconhecimento do suspeito por mera exibição de fotografia(s) ao reconhecedor há de ser visto como etapa antecedente a eventual reconhecimento pessoal e, portanto, não pode servir como prova em ação penal, ainda que confirmado em juízo.”

Matéria publicada originalmente pelo G1/Globo. Imagem: Reprodução/Divulgação.


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