Cidade Integrada: metade dos moradores relata que policiais invadiram casas sem mandado, diz pesquisa

Levantamento foi feito no Jacarezinho. Entre os ouvidos pela pesquisa, 63% já disseram que viram policiais do programa furtarem ou danificarem itens das casas de moradores ou foram elas mesmas vítimas deste tipo de ação.

Uma pesquisa feita com moradores do Jacarezinho, na Zona Norte do Rio, revelou que 50% dos moradores ouvidos afirmaram que policiais do programa Cidade Integrada, que completa 7 meses na sexta-feira (19), já entraram em suas casas sem mandado judicial.

Segundo seus organizadores, o Observatório da Cidade Integrada foi criado “em razão do fracasso das UPPs com o objetivo de mapear os impactos da nova política de estado na vida dos moradores”.

“O saldo dos 7 meses de ocupação no Jacarezinho é de, mais uma vez, termos uma favela inteira violentada pelo governo do estado com ações violentas e infrutíferas. E com alto número de relatos de furtos e danos em suas próprias residencias”, diz Joel Luiz Costa, coordenador executivo do Instituto de Defesa da População Negra.

“Levaram do meu pai a chave inglesa, levaram chave fenda, Phillips, martelo, tudo isso para arrombar um bar que eles queriam entrar. Ou seja: pegaram os materiais do meu pai para arrombar um bar que eles queriam entrar. Domingo passado estávamos no bar, a polícia mandou todo mundo ir pra casa. Fecharam tudo”, diz um dos moradores ouvidos, que não quis se identificar.

Uma moradora, que também não foi identificada, disse que foi obrigada por policiais a ficar nua dentro de casa.

Mapa mostra as primeiras comunidades ocupadas no Cidade Integrada – Foto: Infografia: Juan Silva/g1.

 

“Acordei e eles estavam na minha casa. Não deixaram eu colocar uma roupa. Ficaram revistando minha casa comigo pelada. Além da violência deles entrarem sem poder na minha casa, também fiquei travada de medo por conta do olhar deles para o meu corpo. Ainda tenho pesadelo com aquela voz mandando eu ficar quietinha e falando do meu peito.”

Entre os ouvidos pela pesquisa, 63% já disseram que viram policiais do programa furtarem ou danificarem itens das casas de moradores ou foram elas mesmas vítimas deste tipo de ação.

Foram ouvidos 387 moradores. 62% dos ouvidos na pesquisa querem que o programa, lançado no dia 19 de janeiro, seja encerrado. 69% dos entrevistados relataram que se sentem mais inseguros com a presença dos agentes ligados ao Cidade Integrada.

A pesquisa foi realizada por instituições como a Casa Fluminense, o Lab Jaca, o Grupo de Estudos de Novos Ilegalismos (GENI) da Universidade Federal Fluminense e o Instituto de Defesa da População Negra (IDPN). Várias organizações dão apoio à pesquisa.

Documento fala em terceira fase

Policiais civis e militares fazem operação na comunidade do Jacarezinho, na Zona Norte do Rio de Janeiro, no dia 19 de janeiro de 2022 – Foto: José Lucena/Futura Press/Estadão Conteúdo.

 

Um documento do Comitê Gestor de Políticas Públicas de Segurança dos Programas de Policiamento de Proximidade ou Comunitário, destinado à Superintendência de Avaliação e Conservação de Imóveis, mostra que o governo do Estado já planeja as próximas fases do programa.

Em uma correspondência interna, a coordenadora de projetos do Cidade Integrada afirma que já foram iniciadas as ações do programa no Pavão-Pavãozinho e Cantagalo, na Zona Sul, e no Cesarão, na Zona Oeste, no mês de julho.

Sua implementação inicial vem sendo realizada desde fevereiro de 2022 na comunidade do Complexo do Jacarezinho e nas comunidades da Muzema, Tijuquinha, Pedra do Itanhangá e Morro do Banco, localizadas no Itanhangá e já iniciamos nas comunidades do Pavão – Pavãozinho e Cantagalo na zona sul e Cesarão na zona Oeste no último mês.

Uma terceira fase, já adiantada pelo g1 em outubro de 2021, previa como últimas comunidades do programa a Maré, na Zona Norte, e Rio das Pedras, na Zona Oeste.

“No momento estamos iniciando a terceira fase do programa através da elaboração de diagnóstico sócio-urbanístico da comunidade de Rio das Pedras na Zona Oeste para que no futuro possam ser projetados equipamentos públicos necessários à população”.

Falta de ações sociais

No relatório, os moradores também reclamaram que vários projetos sociais anunciados no lançamento do programa simplesmente não saíram do papel.

“Um dos programas afetados, segundo os moradores, foi o Desenvolve Mulher. Os professores do curso profissionalizante estavam com salários atrasados e acabaram abandonando os postos de trabalho. O pagamento de bolsas previsto para as alunas também não ocorreu”, diz um dos relatos presentes no documento.

Os responsáveis pelo relatório, na sua conclusão, pedem que os programas sociais sejam mantidos na região, mas que a ocupação pela Polícia Militar seja interrompida.

O que diz a PM

A Assessoria de Imprensa da Secretaria de Estado de Polícia Militar informa que, desde o início das atividades do governo estadual para viabilizar o programa Cidade Integrada no Jacarezinho, foi instalado na comunidade um posto avançado da Corregedoria Geral da Corporação. Durante esse período, 08 denúncias foram registradas e todas estão sendo devidamente apuradas. Instalado numa área próxima à Clínica da Família, o posto permanece à disposição dos moradores.

Em relação à comunidade da Muzena, na Zona Oeste, também beneficiada pelo programa Cidade Integrada, a Corregedoria Geral da PM não recebeu nenhuma denúncia.

Matéria publicada originalmente pelo G1. Imagem: Reprodução/TV Globo.


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